55 years of the Pedagogy of the Oppressed by Paulo Freire:
influences on education and scientific production in Information Science
55 años de la Pedagogía del Oprimido de Paulo Freire: influencias en la educación y producción científica en Ciencias de la Información
Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Brasil
rafaelufrnbib@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3895-6668
Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA), Brasil
julilazzarotto@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2572-9407
Universidade Federal de Pernambuci (UFPE), Brasil
santiagobufrem@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3620-0632
CÂMARA, Rafael Silva da; FREITAS, Julliana Lazzarotto; BUFREM, Leilah Santiago. 55 anos da Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire: influências na educação e produção científica em Ciência da Informação. REBECIN, São Paulo, v. 10, dossiê temático, p.01-26, 2023. DOI: 10.24208/rebecin.v10.367
Ao considerar as influências de Paulo Freire e de sua obra seminal, “Pedagogia do Oprimido”, no campo da Ciência da Informação, esta pesquisa descritiva tem a finalidade de evidenciar os 55 anos do livro, com o objetivo de memorar a sua contribuição à pesquisa e à educação nessa área, por meio de uma análise da produção científica nos periódicos brasileiros. Reflete o interdomínio existente entre este campo e a Educação. Recorre especialmente à bibliometria e à cientometria no procedimento metodológico aplicado na Base Brapci, acessível universalmente em meio eletrônico, com recorte temporal entre 1972 e 2021. Analisa diacronicamente a produção científica publicada em periódicos brasileiros da Ciência da Informação na qual a referida obra é citada. Observa a variedade de periódicos científicos, em que destaca o contraponto entre revistas tradicionais e recentes. Na evolução temporal em que a obra em análise é referenciada nestas produções, identifica publicações a partir de 1987, mas destaca que a obra passou a ganhar mais popularidade nas pesquisas em Ciência da Informação a partir de 2010. Aponta as temáticas evidenciadas nos artigos que citam a obra de Freire, bem como as relações de coocorrência entre elas, estruturadas em clusters. Constata que os assuntos Mediação da Informação, Competência em Informação, Educação e Ciência da Informação são os mais frequentes nas pesquisas em Ciência da Informação que citam a Pedagogia do Oprimido. Conclui contextualizando a importância do autor e sua obra analisada, relacionando-a às distintas conjunturas políticas vivenciadas no país no período representado.
This descriptive research highlights the 55th anniversary of the book "Pedagogy of the Oppressed", assigning the goal of memorializing its contribution to research and education in the field of Information Science, by analyzing the scientific production in Brazilian journals, while considering the influences of Paulo Freire and his seminal work. It reflects the interdomain existing between this field and Education. It resorts especially to bibliometrics and scientometrics in the methodological procedure applied to the Brapci database, universally accessible in
electronic media, with a time frame between 1972 and 2021. It diachronically analyzes the scientific production published in Brazilian journals of Information Science in which the mentioned book is cited. It observes the variety of scientific journals, highlighting the contrast between traditional and recent journals. In the temporal evolution in which the book under analysis is referenced in these productions, it identifies publications from the year 1987, but it was from the year 2010 that it began to gain more popularity in Information Science research. It verifies the thematic core in Information Science in the circumstances of the researches carried out, as well as the relations of thematic co-occurrence existing, structured in clusters. It finds that, in the researches on Information Science that go through the reference to the Pedagogy of the Oppressed, the most frequent subjects are Mediation of Information, Information Competence, Education and Information Science. It concludes by contextualizing the importance of the author and his work analyzed, relating it to the different political circumstances experienced in the country during the period represented.
Esta investigación descriptiva destaca los 55 años del libro “Pedagogía del Oprimido”, atribuyéndole el objetivo de memorizar su contribución a la investigación y educación en Ciencias de la Información, analizando la producción científica en revistas brasileñas, al considerar las influencias de Paulo Freire y su obra seminal. Refleja el interdominio existente entre este campo y la Educación. Hace especial uso de la bibliometría y la cienciometría en la metodología aplicada en la Base Brapci, universalmente accesible electrónicamente, con un marco temporal entre los años 1972 y 2021. Analiza diacrónicamente la producción científica en las revistas brasileñas de Ciencias de la Información en las que se cita el libro referido. Observa la variedad de revistas científicas, destacando el contraste entre las revistas tradicionales y las revistas recientes. En la evolución temporal en la que se referencia el libro bajo análisis en estas producciones, se identifican publicaciones desde el año 1987, pero fue a partir de 2010 que comenzó a ganar más popularidad en la investigación en Ciencias de la Información. Verifica el núcleo temático en las circunstancias de la investigación realizada, así como las relaciones de coocurrencia temática existentes, estructuradas en clusters. Constata
que, en las investigaciones en Ciencias de la Información que impregnan la referencia a la Pedagogía del Oprimido, los temas más frecuentes son Mediación Informacional, Competencia Informacional, Educación y Ciencias de la Información. Se concluye contextualizando la importancia del autor y su obra analizada, relacionándola con las diferentes situaciones políticas vividas en el país en el período representado.
Os ensaios sobre Paulo Freire e suas obras perduram no atual contexto, ampliando seu alcance em benefício de domínios científicos usufrutuários. A partir da década de 1970, o autor tem sido, reiteradamente, objeto da crítica e da pesquisa de educadores e pesquisadores de outras áreas, além da Educação. Educador, pedagogo, escritor, epistemólogo, filósofo, antropólogo e sociólogo reconhecido mundialmente, é inevitável identificá-lo como protagonista consagrado por seu legado na formação e no pensamento crítico das Ciências Sociais e Humanas, notadamente da Educação e no Brasil.
“Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”. Essa é, talvez, a citação mais famosa de Paulo Freire, frase presente em Pedagogia do Oprimido, cuja posição desafiante e propostas de transformações têm corroborado para sua posição de obra seminal. Nos sistemas educativos, há quase unanimidade sobre a importância da obra para uma educação além do ensino de conceitos básicos, em prol de uma interpretação reflexiva do seu entorno. Neste caso, o adjetivo seminal refere-se a uma obra de significativa e duradoura influência, em área ou campo do conhecimento. Além disso, no conjunto das obras de Paulo Freire, a Pedagogia do Oprimido tem sido recebida e utilizada por
universidades e escolas de todo o mundo, assim como por educadores, resultando na sua posição entre os textos de Ciências Sociais e Humanas mais citados do repertório universal. Recentes informações a situam entre os cem livros mais solicitados pelas universidades americanas, ocupando mais especificamente a quadragésima posição, de acordo com dados do The Open Syllabus Project (Marshall, 2021). A primeira edição brasileira foi em 1974, mas anteriormente já existiam publicações em outros países e idiomas, desde 1968, quando Freire se encontrava exilado no Chile. A mais recente e comemorativa edição brasileira foi em 2021, pela editora Paz e Terra.
Entretanto, a pedagogia de Freire tem sido criticada por atores que se aliam ao conservantismo, ao se contrapor à lógica autoritária da ditadura civil-militar instaurada em 1964. Hoje, vive-se a contradição oriunda de uma posição ideológica radical, exposta nos debates, observando-se o retorno da crítica à obra de Paulo Freire por parte de grupos com projetos de sociedade fundamentados no conservadorismo.
De modo mais amplo, aqui se compreende que os estudos críticos defendem o movimento de reflexão para a transformação da realidade e que, por vezes, apresentam uma conotação ideológica explícita. Para Gerlin, Nunes e Campos (2022, p. 216), Paulo Freire é um dos autores com histórico de pesquisa e atuação no domínio da estrutura da filosofia que pode ser citado como fundamento para a teoria crítica e pós-crítica no campo da Educação e Informação. Contudo, Gamboa e Gerbasi (2013, p. 306) alegam que a contribuição de Freire para o avanço da pesquisa científica e acadêmica é pouco divulgada.
Com o objetivo de defender a importância dos estudos críticos nos Programas de Pós-graduação em Ciência da Informação no Brasil, a pesquisa de Brisola, Romeiro e Viola (2018) analisa as disciplinas
presentes nos portais eletrônicos dos programas e levanta autores que evidenciam este tratamento crítico, no qual a aparição de Paulo Freire também foi destacada. Oportuno retomar que, em pesquisa desenvolvida por Tanus e Aguiar (2020), Paulo Freire foi apresentado como o quinto autor no âmbito das Ciências Sociais e Humanas mais referenciado na Biblioteconomia e Ciência da Informação (CI), dentre 180 autores identificados com as Ciências Sociais e Humanas, por meio de um levantamento realizado na internet e nas seções de Filosofia e Sociologia de uma biblioteca universitária pública local. Nas suas considerações finais, Tanus e Aguiar (2020, p. 36) sugerem o encaminhamento de outros estudos para o futuro, entre eles, análises de citação dos autores elencados na pesquisa, a fim de identificar suas manifestações.
Bufrem e Prates (2005) apontam que a análise de citação impulsionou consideravelmente a bibliometria, no sentido de caracterizar registros do conhecimento ou identificar tendências de pesquisa, servindo-se de um método quantificável. Já a cientometria, por meio dos indicadores quantitativos em publicações científicas, analisa os incrementos de produção e produtividade em uma área do conhecimento (Tague-Sutcliffe, 1992).
Considerando a bibliometria e a cientometria como aplicações de técnicas estatísticas viáveis para mensurar o uso de livros (Spinak, 1998, p. 142, tradução nossa), esta comunicação tem por finalidade evidenciar os 55 anos da obra Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, com o objetivo geral de memorar a sua contribuição na pesquisa e educação em CI, por meio de uma análise da produção científica nos periódicos brasileiros da área. Para tal propósito, se apresentam como objetivos específicos: a) levantar os periódicos científicos em CI citantes da obra Pedagogia do Oprimido; b) caracterizar a evolução temporal em que a
obra Pedagogia do Oprimido é referenciada nestas produções; c) verificar o núcleo temático em CI que perpassou pela obra Pedagogia do Oprimido nas circunstâncias das pesquisas realizadas, mediante ranqueamento dos termos mais frequentes nestas produções e; d) manifestar as coocorrências temáticas existentes entre estes termos mais frequentes, relacionando-os às principais concepções de Paulo Freire na obra em análise.
Para justificar este estudo, eliminando-se qualquer desvio laudatório, destaca-se a convicção da urgência pela tomada de posição diante de um contexto ainda permeado por ameaças à democracia e aos ataques sistemáticos recebidos pelos seus defensores. Para Costa, Santos e Vale (2020), este é um cenário socialmente polarizado, contraditoriamente complexo, que exacerba sua efervescência pela manipulação das informações e formação de opinião na mídia ausente de uma efetiva educação para a cidadania. Portanto, a provocação para dialogar com a Pedagogia do Oprimido permanece atual e pertinente, ao comungar com o desafio de pensar a educação brasileira em meio às incertezas políticas, econômicas e sociais.
Além desta seção introdutória, este artigo encontra-se estruturado com mais quatro seções textuais. Na segunda seção, são discutidas algumas interfaces entre a Educação e a Ciência da Informação com a Pedagogia do Oprimido. Na terceira seção, são esclarecidos os procedimentos metodológicos adotados. Na quarta seção, os resultados são apresentados e discutidos. Na quinta e última seção textual, são realizadas as últimas considerações desta pesquisa após as evidências nos resultados analisados.
O campo da Ciência da Informação e a Educação apresentam uma interface fecunda, constitutiva de um interdomínio de pesquisa (Bufrem; Freitas, 2015), que considera o papel de educadores e profissionais da informação como agentes comprometidos com as transformações sociais, especialmente no contexto da evolução tecnológica, elemento que altera significativamente as práticas pedagógicas. Segundo as autoras, a complexidade imposta à sociedade pela tecnologia exige, cada vez mais, a relação dialógica interdomínios e a descoberta de novos meios para o trabalho interdisciplinar e para o ensino, de modo que os objetos de estudo possam ser mais bem apropriados pelos pesquisadores e que o ensino seja reformulado a atender as demandas sociais.
Para Silva e Freire (2013), a interface entre Educação e Ciência da Informação evidencia-se especialmente no campo da socialização da informação, em que a Teoria da Ação Comunicativa de Habermas, com seus elementos principais: diálogo, linguagem e grupo, aproxima-se da pedagogia desenvolvida por Paulo Freire. Ao destacarem a socialização da informação como um processo que envolve a tradução da informação científica e tecnológica para a sociedade, Christovão e Braga (1995) defendem a construção, o tratamento e a divulgação de diferentes tipos de informação, de forma colaborativa. Compondo uma definição conjunta desta informação por parte de produtores e usuários, as autoras argumentam sobre a possibilidade de convergência, a partir de suas necessidades, na direção de percursos metodológicos mais adequados para atendê-las. Já Cavalcante (2016) destaca a obra Pedagogia do Oprimido quando reflete acerca da Educação enquanto ato de
emancipação do sujeito, ato do conhecimento, de desvelamento da realidade e acesso à informação social mediada pelo diálogo, pela consciência crítica e política que integra os indivíduos à realidade na qual se inserem, pois implica um projeto de transformação.
Na interface entre Educação e CI, o conceito de mediação de informação, conforme Moraes e Almeida (2013), vem tomando cada vez mais espaço como ação educativa, estabelecida hegemonicamente, priorizando algumas modalidades de informação como tipos de leitura e práticas de intermediação cultural, legitimadas pelo status quo em detrimento de outras, cujos valores direcionam-se ao estabelecimento de vínculos mais orgânicos dos sujeitos com o conhecimento prático, racional e técnico.
Quando se identificam interfaces entre educação e CI na produção científica em Ciência da Informação, observa-se que a temática “competência em informação” também é uma das que se evidenciam. Santos Júnior e Paixão (2020) estudaram a competência em informação na Educação profissional e tecnológica, mediada pelo bibliotecário por meio da Educação a distância nesse contexto e constataram que o tema vem sendo pouco explorado pela comunidade acadêmica, o que indica uma necessidade de realização de pesquisas destinadas a articular as competências informacionais aos processos educacionais da Educação profissional e tecnológica.
Relaciona-se o contexto exposto ao manuscrito Pedagogia do Oprimido, que de acordo com Gadotti (1996, p. 60) é do ano de 1968, mas foi editado primeiramente nos idiomas inglês e espanhol, em 1970. Suas influências na Ciência da Informação, retratadas nos resultados aqui encontrados, ocorrem a partir do fim da década de 1980, em um cenário constituído por transformações tecnológicas na comunicação, no ensino,
na pesquisa e na formação de profissionais, cujas competências passaram a primar por suprir demandas de mediação de informação e de socialização de saberes, de forma mais orgânica e colaborativa.
Esta pesquisa caracteriza-se como descritiva, adotando a aplicabilidade da bibliometria e da cientometria como meio. O ambiente virtual selecionado para a verificação dos dados de produção científica nacional foi a Base de Dados Referencial de Artigos de Periódicos em Ciência da Informação (Brapci), aqui considerada como um dispositivo digital representativo da organização de uma parcela substantiva dos conhecimentos científicos registrados no país (Bufrem, 2022, p. 19).
A pesquisa foi realizada no mês de janeiro do ano 2023. O recorte temporal estipulado foi entre os anos 1972 e 2021, sendo o primeiro ano correspondente à cobertura inicial disponível na base. Após esta definição, a expressão estratégica de busca determinada foi o título da obra de Paulo Freire, a “Pedagogia do Oprimido”, fazendo-se uso do campo “texto completo” disponível na base. Além da língua portuguesa, a expressão pelo título da obra também foi pesquisada nos idiomas inglês, espanhol, francês, alemão e italiano, após a certificação correta do título nestes idiomas, conforme já constatado por Santana e Souza (2019, p. 14). Seguindo a recomendação de busca avançada pela própria base, foram pesquisados os termos compostos exatos entre aspas.
Os registros bibliográficos recuperados foram revisados e seus metadados reorganizados em planilha eletrônica e softwares de visualização bibliométrica, de acordo com os elementos de análise disponíveis, a saber: autorias, títulos, periódicos, palavras-chave e
edições referenciadas. Após a montagem final do corpus de pesquisa, os artigos selecionados foram analisados e interpretados quanto às contribuições da Pedagogia do Oprimido nas dimensões da pesquisa na educação em Ciência da Informação.
O conjunto das referências bibliográficas recuperadas mediante a estratégia de busca, nos seis idiomas mencionados na seção metodológica, caracterizou um montante inicial de 158 registros. Foi realizada leitura flutuante de cada registro e alguns artigos foram eliminados, por não se adequarem à perspectiva, como por exemplo, os artigos que mencionaram Paulo Freire e o livro no corpo do texto, mas não necessariamente o citaram e referenciaram nas referências bibliográficas. Outros artigos também foram recuperados erroneamente por referenciarem o título "Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido", o que novamente não é o caso da perspectiva definida na realização desta pesquisa. Após esta revisão, foi constatado que 120 artigos corresponderam à pretensão do corpus de análise, por referenciarem devidamente a obra, distribuídos entre 45 periódicos científicos que podem ser visualizados na Figura 1.
Na Figura 1 observa-se a variedade de periódicos científicos e faz- se um contraponto especial entre os dois com o maior número de artigos citantes da obra Pedagogia do Oprimido, acolhida, tanto na trajetória das revistas mais tradicionais, quanto das mais recentes. O maior número de artigos (n=14) foi encontrado na Revista Eletrônica de Comunicação, Informação & Inovação em Saúde (Reciis). Este periódico foi inaugurado no ano de 2007, com aparente ênfase na área da Saúde, mas de caráter multi e interdisciplinar, comemorando 15 anos de publicações no ano de 2022, editado pelo Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Para Araújo, Sacramento e Barcellos (2022, p. 751), explica-se a relevância social e cultural deste periódico por centralizar pesquisas sobre o direito à informação, à comunicação e à saúde na promoção da cidadania e da
democracia, no entendimento de que o desenvolvimento científico e tecnológico contribui para a melhoria da qualidade de vida das pessoas. Por sua vez, o segundo periódico com mais artigos (n=11) foi a Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação (RBBD), iniciada em 1973, por meio de uma parceria entre o Instituto Nacional do Livro e a Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários, Cientistas da Informação e Instituições (Febab). Portanto, em 2023 completa 50 anos de existência e de publicações, sendo considerado o segundo periódico científico brasileiro mais antigo em atuação na área de Biblioteconomia, Documentação e CI.
Ao todo, a Pedagogia do Oprimido foi referenciada por 220 autores, contabilizando-se as autorias individualmente de cada pesquisador identificado no corpus. Foram contabilizadas 122 referências ao título no conjunto de documentos analisados, pois dois artigos referenciaram o mesmo título por duas vezes, ainda que se tratando de edições diferentes. Foram identificadas seis editoras publicadoras, entre nacionais e internacionais, sendo a maior frequência de referências das publicações da editora Paz e Terra (n=117), em variadas edições distribuídas em 24 anos diferentes, entre 1970 e 2016. As demais editoras identificadas foram a Afrontamento (n=1), a Seabury Press (n=1), a Continuum (n=1), a EGA - Edizioni Gruppo Abele (n=1) e a Mondadori (n=1). Tamanhas possibilidades de consulta e citação remetem à conclusão de Loivos e Antunes (2017, p. 141), a respeito das inúmeras edições, reedições e reimpressões do livro, ao afirmarem que o autor “é figura central no polissistema estrangeiro, seja de produção científica, de políticas públicas ou de publicações de interesse geral. Seu nome é muito destacado e o título de sua obra também”.
Apesar de estabelecido o ano de 1972 como inicial na estratégia de busca, conforme capacidade de cobertura da base Brapci, o recorte temporal dos artigos identificados mostra que a obra Pedagogia do Oprimido, durante muitos anos foi pouco citada e referenciada nas publicações da CI. Esse fato ilustra como, embora a partir da década de 1970, de forma reiterada, Paulo Freire tenha sido objeto de preocupação da crítica e da pesquisa de educadores, com diferentes interesses e perspectivas, foi somente em 1987 que os primeiros artigos foram identificados neste corpus, sendo estes, dois textos na extinta Revista de Biblioteconomia e Documentação, periódico científico publicado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul entre os anos de 1986 e 2000. As primeiras questões apresentadas no final da década de 1980 trataram de refletir o uso da biblioteca como um agente de dominação para os interesses do capitalismo, mas também a potencial atuação desta instituição contra o sistema ideológico dominante. Já na dimensão pedagógica, foi levantada a importância de reformas curriculares nos cursos de biblioteconomia pelas universidades brasileiras, para formar profissionais bibliotecários conscientes dos seus papéis sociais como agentes de mudanças para os problemas socioeconômicos com os quais se deparam no desenvolvimento de suas atividades no país.
Contudo, a incidência de citação da obra segue muito baixa até 2009. A Figura 2 mostra a linha temporal destes artigos que referenciaram a obra Pedagogia do Oprimido até 2021.
Ao visualizar a Figura 2, infere-se que, a partir do ano 2010, a obra Pedagogia do Oprimido passou a ganhar mais popularidade nas pesquisas em CI, passando a ser mais referenciada nas publicações da área, caracterizando um quadro diferente dos anos anteriores.
A maior incidência de citação a Pedagogia do Oprimido foi em 2018. Paralelo ao fenômeno, este mesmo ano foi marcado por tensões de posições políticas em decorrência da eleição presidencial ocorrida no país, finalizada com a vitória do populista de direita Jair Bolsonaro, em 28 de outubro. Assim, Bolsonaro governou o país no período recente entre os anos de 2019 e 2022, influenciando notáveis mudanças nas relações sociopolíticas e nas políticas públicas, em razão de sua aparente posição mais radical. Entre outras características e de modo geral, a gestão de Bolsonaro se mostrou publicamente antipática a Paulo Freire, assim como houve acusação, por parte de entidades representativas, desta gestão ter
reduzido oportunidades para o recebimento de verbas para a ciência, com maior risco para as áreas de Ciências Humanas e Sociais.
Deste modo, embora a relação entre a ideologia e os efeitos na citação requeira outras informações mais concretas ou teóricas, é possível pensar a possibilidade da queda de citação a esta obra nos últimos anos indiciar uma cautela de pesquisadores na área de CI, em citar personalidades públicas ou debater ideias que possam contrariar visões ideológicas dominantes, em tempos de crises no financiamento de pesquisas e evidente polarização política.
Foram extraídas 526 palavras-chave no corpus da pesquisa, as quais passaram por um processo de revisão, objetivando-se a padronização de caracteres, bem como o conserto semântico, a fim de ranquear os assuntos identificados e assim analisar a coocorrência existente entre os termos mais utilizados para representar os artigos do corpus. Estes dados foram organizados em planilhas eletrônicas e conformados no software Gephi1, em formato de colunas e matrizes, pois esta aplicação também permite a geração da rede de coocorrência temática, disponível na Figura 3, que corrobora com o entendimento da estrutura de clusters, conforme esclarecem Bastian, Heymann e Jacomy (2009, p. 362, tradução nossa).
Após a revisão e o ranqueamento das palavras-chave, a definição do ponto de corte para compreender os termos mais pesquisados foi estabelecida por meio de um cálculo matemático conhecido na comunidade científica como o Ponto de Transição (T) de Goffman (1966), que possibilita a estimação do grau de relevância de temas, assuntos, linhas de pesquisa ou áreas de concentração em contextos específicos.
1 Versão 0.9.6, disponível para download no link: https://github.com/gephi/gephi/releases/tag/v0.9.6. Acesso em: 14 mar. 2023.
A partir deste embasamento, se considerou que os assuntos mais frequentes na CI, tendo a Pedagogia do Oprimido como referência, se caracterizaram pelas 26 palavras-chave mais utilizadas no corpus. Diante disso, a matriz elaborada constatou que 24 termos apresentaram coocorrência temática, conforme a Figura 3, ficando de fora apenas os termos "educação em saúde" e "tecnologia na educação", pois estes não apresentaram coocorrência no núcleo.
Entretanto, por terem surgido num contexto pós-ditatorial, os termos educação, aprendizagem, currículo e formação de bibliotecários passam a representar uma tentativa de resposta aos desafios do período. Como diria Paulo Freire, a tomada de consciência não se dá nos homens isolados, mas mediatizados pelo mundo. A práxis, por sua vez, é citada como a reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela, “é impossível a superação da contradição opressor-oprimido” (Freire, 1997, p. 38).
A rede na Figura 3 apresenta 5 clusters de temáticas distintas que vem sendo tratadas na produção científica analisada.
O termo mais frequente foi “Mediação da Informação” (n=13), no cluster rosa. Neste mesmo cluster, também estão outros dois termos mais frequentes como “Ciência da Informação” (n=8) e “Mediação” (n=7). Contudo, importa considerar o termo mediação como o de maior destaque, devido a sua abrangência em relação ao termo inclusivo "mediação da informação". Além da mediação da informação, o termo está associado aos conceitos de mediação documentária, mediação bibliotecária, mediação educacional, mediação pedagógica, mediação institucional, mediação cultural e mediação da leitura.
O segundo termo mais frequente foi “Competência em Informação” (n=12), no cluster azul. Destacam-se também os termos “Informação” (n=11) e “Educação” (n=10), no cluster verde. Portanto, compreende-se que a mediação da informação e a competência em informação são os assuntos de maior destaque quando se trata de retomar o pensamento de Paulo Freire em sua publicação Pedagogia do Oprimido, para contribuir com as pesquisas que relacionam a educação com a CI.
Embora o termo Competência esteja entre os mais presentes, os conceitos por ele representados confundem-se em constelação convidativa a um aprofundamento sobre o projeto político pedagógico centrado na construção de uma escola “séria, competente, justa, alegre, curiosa” (Freire, 1991, p. 42). Resta salientar a consciência das limitações presentes na visão ingênua da resposta à questão da desinformação fundamentada no desenvolvimento, por parte do indivíduo, da sua competência em informação ou competência informacional. Os limites dessa solução são analisados por Marques (2022), com base em princípios de Marx e de autores marxistas, visando a construção de uma
crítica da noção de competência em informação. Essa crítica volta-se ao equívoco idealista, ou crença de que o desenvolvimento de habilidades cognitivas individuais seria a chave para superar o fenômeno da desinformação.
A despeito das divergências sobre a maior ou menor aproximação entre o pensamento freireano e o marxismo, cabe destacar a adoção por Freire da categoria práxis como uma das categorias fundamentais da educação popular. Ao destacar essa categoria filosófica central do marxismo, Freire adota uma postura crítica em oposição ao idealismo. Segundo Scheffer (2013, p. 299), essa interlocução se daria principalmente no livro Pedagogia do oprimido.
As coocorrências temáticas mais expressivas foram entre os termos “Mediação da Informação & Ciência da Informação” (n=3) e “Informação & Educação” (n=3). Importa salientar como a mediação aproxima-se dos conceitos de dialogicidade freireanos e baktinianos, ao ensejar a interlocução entre sujeitos, configurando-se no encontro de subjetividades e no compartilhamento de experiências, imprescindíveis (Gomes, 2014) para a apropriação da informação.
É importante observar como o conceito de mediação, por natureza, remete a uma interferência ocorrente dentro de um processo de comunicação, podendo ser direta ou indireta, e pressupõe a criação de condições ideais, por meio da mediação, para que o receptor da informação possa se apropriar e fazer o melhor uso desta informação. Nesse sentido, entende-se aqui, o papel da mediação como um papel social e crítico, que demanda certas competências em informação, para que a mediação da informação seja efetivamente realizada. Conforme Belluzzo (2020), a American Library Association, em 2008, definiu competência em informação (CoInfo) como um conjunto de habilidades
que exigem que as pessoas reconheçam quando as informações são necessárias e que tenham a capacidade de localizar, avaliar e usar efetivamente as informações necessárias (Belluzzo, 2020). Essa avaliação e uso das informações têm mobilizado também os responsáveis pelas políticas públicas de educação, cuja concordância incide sobre sua centralidade nas propostas que envolvem mudanças nos sistemas educativos. É nesse contexto crítico, de atribuição de valores à informação, que a produção científica em Ciência da Informação cita, com maior ênfase, a obra de Paulo Freire.
A coocorrência da mediação da informação com a CI se relaciona com as discussões teórico-conceituais que permeiam as intersecções entre educação e informação, a socialização da informação, os paradigmas da cognição e do protagonismo social para o sujeito e em comunidades, bem como as teorias curriculares propostas na formação dos profissionais da informação, especialmente dos bibliotecários.
Quanto ao conceito de competência, ele é objeto de reflexões em
16 artigos, os quais refletem sobre a necessária competência e compromisso como referência na organização e valoração das práticas informacionais ou pedagógicas. Percebe-se o destaque à existência de duas culturas, a do opressor e a do oprimido, numa sociedade competitiva e de contradições e, nesse contexto, embora seja reconhecida a competência técnica, ela é percebida como qualidade associada ao ensino e à leitura crítica da realidade, partindo da inquietação dos educandos.
Neste processo, se faz presente a constante necessidade de diálogo e de se pensar a prática como forma de transformar, transformando-se. Sugere-se uma leitura da ação como ato consciente, capaz de libertar e como defendia Freire (1997, p. 52): “ninguém liberta
ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão”.
A partir da proposta de prestigiar os 55 anos da obra Pedagogia do Oprimido, procurou-se reconhecer a sua contribuição para a educação e produção científica em Ciência da Informação. Ressalta-se esta obra como a mais lida e citada de Paulo Freire, popular entre educadores no mundo inteiro e um dos fundamentos da pedagogia crítica.
Esta análise mostra como a Pedagogia do Oprimido está sendo lida e problematizada na literatura científica em CI no Brasil, especialmente a partir dos últimos anos da década de 1980. Ao levantar os periódicos científicos em CI citantes da obra, observa-se a variedade de títulos em circulação, tanto os mais tradicionais, quanto os mais recentes. A partir da segunda década do século XXI, a referência a esta obra ocorre com maior expressividade, refletindo a diversidade de temas e preocupações presentes na área. Nesta perspectiva, os assuntos mais frequentes no corpus dizem respeito à Mediação da Informação e à Competência em Informação. As coocorrências temáticas mais evidentes foram entre a Mediação da Informação e a Ciência da Informação, bem como entre a Informação e a Educação, impulsionando a obra de Paulo Freire como uma fonte de inspiração em questões inovadoras e inclusivas para lidar com os desafios da sociedade contemporânea. Entretanto, a queda de citação a esta obra nos últimos anos, período que coincide com um governo federal acusado de desvalorização do professor, precariedade do ensino e falta de investimento para a educação, além de manifestamente contrário a Paulo Freire e sua obra, sinaliza uma possível
cautela de pesquisadores na área de CI, em citar personalidades públicas ou debater ideias passíveis de contrariar visões ideológicas em vigor, em tempos de crises e evidente polarização política. Sendo assim, segue a recomendação de acompanhamento e análise deste fenômeno para os próximos anos na CI brasileira.
A leitura do corpus permitiu, além das evidências fatuais representadas quantitativamente, observar posições de resistência e ampliação dos espaços de debate e diálogo, em benefício da concepção educativa defendida pelo educador.
Concluindo, a incorporação da obra do autor nos artigos do corpus revela rupturas no entendimento tradicional da Biblioteconomia e Ciência da Informação acrítica, sendo perceptível essa transformação quando a crítica se volta à realidade vivida e as suas contradições. A obra freireana rejeita qualquer passividade dos profissionais da informação, valoriza a transformação, a partir da crítica à práxis e a qualquer modo de formação bancária. E, por acreditar no sujeito de aprendizagem, capaz de ler e intervir no mundo, em contexto hoje marcado pela tendência à negação de direitos sociais e pelo capitalismo dependente, volta-se à esperança sempre renovada na obra freireana, para o confrontamento com as estruturas dominantes da sociedade brasileira.
ARAÚJO, K. M.; SACRAMENTO, I.; BARCELLOS, C. O debutar da
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